Profissionais fazem jardins com espécies nativas e lutam por consciência ambiental e respeito à biodiversidade
Se você tem plantas em casa, faça um exercício: escolha uma e procure sua origem. Para adiantar a resposta, grandes são as chances de a resposta ser Ásia ou África. Isso porque, mesmo que o Brasil seja um dos campões da biodiversidade no mundo, é fato que o paisagismo brasileiro é, na verdade, exótico.
“Nossos jardins são caixinhas de lápis 12 cores. Da mesma forma que os alunos fazem os mais diferentes desenhos com aquelas mesmas cores, assim é o paisagismo no Brasil: sempre as mesmas 12 plantas”, afirma Ricardo Cardim, paisagista à frente do escritório Cardim Arquitetura Paisagística e mestre em botânica pela Universidade de São Paulo (USP). Seu nome é um dos que estão à
frente de uma batalha por um “paisagismo ecológico”, que prioriza o estudo e o respeito às plantas nativas, preteridas por estrangeiras que um dia vieram ao Brasil e tomaram seu lugar. Sua estimativa, com base em alguns estudos de amostragem, é de que acima de 90% das plantas mais utilizadas no paisagismo brasileiro são exóticas.
Essa mistura de espécies desperta uma série de problemas apontados por Cardim, tanto de ordem ambiental como cultural. “A partir do momento em que eu substituo uma área de biodiversidade
milenar por um conjunto de meia dúzia de plantas estrangeiras, eu causo um holocausto ambiental, extinguindo seres que estavam ali muito tempo antes”, alega. Além disso, ele complementa que, ao desconectar as pessoas do convívio com a vegetação nativa da região, elas deixam de valorizar essas espécies — criando um prejuízo em cascata.
Paisagismo ecológico
Outra empresa que, na mesma pegada de Cardim, procura imergir na vegetação local para pautar seus projetos de paisagismo é a Embyá, liderada pelo botânico francês Pierre-André Martin e
com sede no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para ele, o paisagismo ecológico é aquele que não parece feito pela mão do homem, mas pela própria natureza.
“Existem jardins que parecem sair da manicure, de tanto cuidado que têm ali. É um desejo de imposição sobre a natureza que não cabe mais no século 21. A gente não pode ter mais jardins que consomem mais água que os donos das casas — isso é uma irresponsabilidade”, critica.
Além disso, um dos principais problemas apontados pelos botânicos ao mesclar espécies de origens diferentes é a competição biológica. “Ao usar plantas exóticas, você pode usar uma espécie
que se torna agressiva e compete com as nativas, substituindo-as. Há uma perda de diversidade em função disso”, relata Tadeu Motta, biólogo do Jardim Botânico de Curitiba. Ele explica que, entre as nativas, esse problema não acontece, porque elas já estão bem ambientadas — e, portanto, não são prejudiciais.
Por isso, segundo Martin, é essencial que o profissional não hesite em aprender sobre a vegetação de um país – não só em livros, mas andando em meio às matas e florestas. Ricardo Cardim complementa que, para solucionar esse problema, é necessário que os profissionais do paisagismo trabalhem em equipes multidisciplinares, ponderando a arquitetura paisagística, a botânica e a ecologia.
Prática colonial
Os motivos que explicam a prática da preferência pelas plantas exóticas remontam a séculos de história brasileira. Rodrigo de Andrade Kersten, professor do curso de ciências biológicas da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e especialista em ecologia e botânica, vê que essa é uma tradição que veio a partir dos imigrantes que colonizaram o Brasil, no período da vinda da família real portuguesa. “O primeiro grande primeiro projeto de reflorestamento do Brasil foi a floresta da Tijuca. Dom Pedro, na época, decidiu usar espécies das quais gostava — como a jaqueira, por exemplo”. Segundo ele, esse costume de reproduzir em terras tropicais os jardins europeus trouxe suas consequências comerciais. Como, na Europa, o cultivo de espécies ornamentais já era difundido, era mais fácil obter mudas e sementes das espécies exóticas do que se voltar à produção local.
Cardim concorda que a questão mercadológica tem grande peso na continuidade desta prática, deixando o paisagismo vinculado apenas à decoração e à estética, o que é apenas uma parte do
paisagismo em si. “Nós atendemos a grandes mercados internacionais de plantas ornamentais, e não há questionamento ou conhecimento por parte dos profissionais da importância de usar a
vegetação nativa e de respeitar os ecossistemas”, complementa.
46.714 É o número de espécies reconhecidas da flora brasileira.
E, afinal, quais espécies usar?
Segundo a pesquisa Flora do Brasil 2020, realizada pelo Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a flora brasileira é composta por 46.714 espécies reconhecidas. Excluindo
algas e fungos, sobram 36.239 espécies espalhadas pelo território. Dentro deste universo, o próximo passo é estudar. E quem dá suas próprias dicas é Cardim. “A partir de um estudo prévio de campo e bibliográfico, eu monto uma lista de espécies que eu encontro no comércio”, explica. “Em cima disso, você faz um projeto que respeite, da melhor forma possível, a biodiversidade e a reconexão cultural das pessoas com a paisagem, sem nunca descuidar da estética”.
CONHEÇA SUAS ESPÉCIES LOCAIS
Iniciativas de educação ambiental têm surgido com o objetivo de aproximar as pessoas dessas espécies locais, porém desconhecidas. Uma delas é do próprio Jardim Botânico de Curitiba, que mantém um projeto pedagógico ligado a escolas municipais e estaduais. Durante três anos, a instituição promoveu um projeto que trabalhou especificamente com espécies nativas para uso paisagístico. Tadeu Motta, biólogo do Jardim Botânico, mostra as espécies do bioma Mata Atlântica que mais deram certo para os jardins.
– Açucena
– Manacá
– Begônia
– Bromélia
– Camarinha
– Sálvia
– Avenca
– Samambaia
– Família das malváceas (exemplo: hibisco)
– Família das compostas (exemplo: margarida)
via: https://www.gazetadopovo.com.br/haus/paisagismo-jardinagem/menos-exoticas-mais-nativas-a-nova-leva-de-paisagistas-que-defende-jardins-mais-brasileiros/