Predomínio do motor dianteiro na frota nacional tem impacto em aspectos relacionados ao bem-estar de motoristas e passageiros
Ônibus com motor dianteiro são uma visão corriqueira nas linhas urbanas das cidades brasileiras. Em lugares como Reino Unido e Alemanha, entretanto, a cada cinco ônibus, quatro não têm o motor na parte da frente do veículo. A posição do motor não é mero detalhe técnico, interessante apenas para entendidos.
Estudos e especialistas apontam que a configuração traz impactos para a saúde de motoristas, conforto dos passageiros, condições de acessibilidade e no orçamento das empresas operadoras de linhas. Há tentativas de restringir o ônibus com motor dianteiro em algumas cidades brasileiras.
Em maio de 2015, o Distrito Federal regulamentou um decreto que pretende, aos poucos, substituir a frota em que predomina o motor dianteiro por coletivos de motor traseiro ou central. O plano é que, até 2021, cerca de 85% da frota tenha sido trocada. “No caso de cadeirantes, o piso mais alto [dos ônibus com motor dianteiro] demanda a instalação de rampas elevatórias, mais difíceis de operar e que muitas vezes quebram” Marcos de Souza Editor e coordenador de campanhas do Mobilize Brasil
No fim de novembro, o deputado estadual Professor Lemos (PT) apresentou um projeto na Assembleia Legislativa do Paraná que procura banir a compra de veículos com motor na frente e estabelece prazo para os operantes serem substituídos. A cidade de São Paulo conta desde 2003 com uma lei municipal que proíbe os ônibus com motor dianteiro. Mesmo assim, segundo a SPTrans (órgão municipal de transporte), 56,5% da frota da cidade é caracterizada por esse formato, incluindo midi e miniônibus, das linhas dentro de bairros.
FOTO: ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL DISTRITO FEDERAL QUER 85% DA FROTA EQUIPADA COM MOTOR TRASEIRO ATÉ 2021 De acordo com o decreto 43.908, ônibus com motor dianteiro em São Paulo só serão utilizados se for verificada “a inadequação técnica da utilização de veículos com motor traseiro ou central, devidamente constatada por laudo técnico (…)”. Do lado da indústria, uma vez que há prevalência nacional do motor dianteiro, fabricantes tentam minimizar os aspectos mais criticados com modelos de suspensão menos chacoalhante e com motores menos barulhentos e quentes. Quais as críticas a essa configuração de veículo Um levantamento do Ministério Público do Trabalho revelou que 45% dos cerca de 15 mil motoristas e cobradores da capital do país apresentam algum grau de perda auditiva. O problema foi relacionado à exposição ao barulho do motor frontal, presente em 97,7% dos ônibus de Brasília, de acordo com dados do Ministério Público. Outros fatores presentes na jornada de trabalho do motorista, como temperatura elevada e vibrações, que contribuem para um estresse maior, também são intensificados pela presença do motor na frente. A pesquisa serviu para embasar a lei nº 5.590, regulamentada em 2017, que quer trocar 85% dos motores da frota brasiliense em quatro anos. Em relação aos passageiros, o principal ponto das críticas é que o motor dianteiro não permite que o ônibus tenha piso baixo, o que traz consequências para o conforto e acessibilidade. As diretrizes para ônibus urbano da União Europeia relacionam o piso baixo com acesso mais fácil. FOTO: AGÊNCIA BRASIL LEI MUNICIPAL DE 2003 OBRIGA QUE ÔNIBUS URBANOS EM SÃO PAULO TENHAM MOTOR TRASEIRO Segundo a assessoria de comunicação da Mercedes-Benz, uma das maiores fabricantes de chassis para ônibus do país, fazer um veículo com motor na frente e piso rebaixado é “muito complicado e o custo não compensaria” por questões mecânicas relacionadas ao eixo e à tração do veículo. “A acessibilidade é sempre pior”, explicou ao Nexo Marcos de Souza, editor e coordenador de campanhas da ONG Mobilize Brasil. “No caso de cadeirantes, o piso mais alto demanda a instalação de rampas elevatórias, mais difíceis de operar e que muitas vezes quebram”. Além disso, os ônibus com motor traseiro em geral trazem suspensão do tipo pneumática, que amortece melhor as irregularidades do asfalto. Assim, os passageiros estão menos sujeitos a solavancos. Diversos modelos de ônibus com motor na frente fabricados no Brasil estão saindo agora com esse tipo de suspensão também. A defesa do modelo “low floor” (piso baixo) não é novidade dentro da indústria. “Devido à posição rebaixada da carroceria, o veículo navega com mais suavidade e balança menos que o desenho convencional alto”, descreveu um folheto da Daimler alemã de 1925, ano em que a empresa introduziu seus primeiros modelos de piso baixo. Quais os argumentos em favor do motor dianteiro Questionada pelo Nexo sobre a presença de coletivos de motor dianteiro em São Paulo, apesar de decreto estabelecendo o contrário, a assessoria de imprensa da SPTrans afirmou que “em algumas linhas é inviável o uso de veículos com motor traseiro, devido à topografia. Nesses casos, autoriza-se o uso de motor dianteiro”. Ou seja, há muitas valetas, lombadas, ladeiras e irregularidades em geral no asfalto paulistano que dificultam o uso do ônibus com motor traseiro, segundo o órgão municipal. O comunicado ressalta que as linhas locais, que atendem dentro dos bairros, utilizam em geral coletivos de porte pequeno ou médio (mini ou midi-ônibus) com motor dianteiro. FOTO: REPRODUÇÃO ÔNIBUS DE PISO BAIXO CIRCULANDO EM LONDRES, INGLATERRA Recentemente, por exemplo, a viação Sambaíba, que atende à zona norte de São Paulo, alegou problemas operacionais causados pela presença de valetas e lombadas para conseguir autorização da SPTrans para adquirir ônibus de motor dianteiro. A informação foi relatada ao Nexo pelo jornalista Adamo Bazani, especialista em ônibus e editor do site Diário do Transporte. O interesse econômico é também um fator importante. “O ônibus de motor dianteiro é de 15% a 20% mais barato do que o que tem motor traseiro ou central. O sistema de suspensão é mais simples, a parte eletrônica e a manutenção são mais baratas”, disse Bazani. A assessoria de imprensa da Mercedes-Benz confirmou que o modelo com motor na frente sai mais barato “porque é um chassi de construção mais simples”, e que fatores como suspensão, transmissão e peso do veículo (os com motor atrás são mais pesados) contribuem para subir o custo de cada unidade. Para Bazami, o poder público poderia estimular a compra de ônibus com motor traseiro por meio de isenções em impostos ou melhorar a remuneração por passageiro.