Além de Brasília, o Brasil possui diversas outras cidades planejadas. A concepção delas se deu em conjunturas históricas, políticas e arquitetônicas distintas. Salvador, Belo Horizonte e Maringá estão entre algumas delas.
As cidades planejadas se diferenciam das chamadas cidades “naturais” por partirem de algum projeto pré-definido. Em geral construídas a partir de áreas onde antes, não existia nenhum núcleo urbano significativo. Foram, então, idealizadas segundo uma alguma teoria norteadora.
Em síntese as cidades planejadas surgem para tentar corrigir os problemas encontrados nas cidades naturais, sendo estas soluções parte de uma visão de urbanidade e civilização.
No Brasil, a principal referência em cidades planejadas, obviamente é Brasília. No entanto, além da capital federal projetada pelo urbanista Lúcio Costa e inaugurada no começo dos anos 60, algumas outras capitais também foram concebidas antes ainda de seus “nascimentos”.
Conheça abaixo um pouco mais sobre as cidades planejadas brasileiras
SALVADOR – 1549
A cidade que foi nossa primeira capital, no período colonial, é considerada uma cidade planejada. Fundada em 1549, o projeto é do arquiteto Luís Dias. De acordo com Antônio Risério no livro A Cidade no Brasil, “Salvador foi inteiramente definida e desenhada em prancheta lisboeta, em ‘traços e amostras’ cuja execução, confiada ao arquiteto Luís Dias, deveria ser rigorosamente cumprida”. A atual capital do Estado da Bahia viria a ser a sede do governo Geral do Brasil e para isso teria a função de cidade-fortaleza. Para Edison Carneiro, em A Cidade de Salvador, 1549: uma Reconstituição Histórica, sem qualquer hesitação era “uma Brasília do século XVI”.
Uma característica importante do planejamento de Salvador foi a concepção racional e geométrica. Apesar do terreno irregular, para incluir um traçado geométrico foi adotado o princípio de adaptação ao sítio, de Vitrúvio. “A Cidade da Bahia, fruto do geometrismo do urbanismo colonial lusitano. Foi de fato concebida no âmbito maior do pensamento renascentista, sob o signo da Antiguidade greco-romana encarnada na figura de Vitrúvio”, segundo Risério.
Portanto, Salvador foi planejada já pensando em sua importante função administrativa e militar e para ser o centro do Império português no Novo Mundo. A cidade carregou essa importância pelos 200 anos seguintes.
TERESINA – 1852
A capital do Estado do Piauí foi a segunda cidade planejada no Brasil. Isso se deu durante o Império, visto que Teresina foi fundada em 1852. Assim como Salvador, a função primária de Teresina era a administrativa e servir de capital provinciana à época. O desenho da cidade foi feito por José Antônio Saraiva e João Isidoro França. A cidade recebeu esse nome em homenagem à Imperatriz Teresa Cristina. O motivo? Foi por intermédio da Imperatriz que Dom Pedro II aceitou mudar a capital da província, então na cidade de Oeiras para um novo sítio urbano previamente planejado. Seu desenho não apresenta grande ruptura com a tradição colonial portuguesa do traçado ortogonal xadrez, com os edifícios administrativos e religiosos ao centro.
A escolha da localização (a única capital do Nordeste longe da costa) entre os rios Parnaíba e Poti possibilitou o fácil acesso à água e também o desenvolvimento do comércio com outras regiões, o que lhe conferiu o título de Mesopotâmia Brasileira. Na estruturação da cidade, houve a preocupação em concentrar em áreas separadas as atividades. De um lado a esfera política e em outro lado o centro econômico, com a construção do mercado velho. Devido ruas e avenidas amplamente arborizadas, a capital do Piauí é hoje conhecida como “Cidade Verde”.
ARACAJU – 1855
Nessa mesma época de planejamento e fundação de Teresina, outra província do Nordeste teve sua capital transferida para uma cidade projetada: Sergipe. Em 1855, São Cristovão deixou de ser a capital administrativa da província, cuja passara a ser a nova cidade de Aracaju. A mudança atendeu à necessidade de uma capital com fácil acesso às atividades portuárias.
O projeto de Aracaju também aconteceu como uma das cidades planejadas em traçado ortogonal estilo xadrez. O engenheiro Sebastião José Basílio Pirro, mesmo encontrando enormes dificuldades graças ao solo pantanoso conseguiu erguer a cidade. Essa prosperou rapidamente e contribuiu, graças à sua localização, para escoar a produção agrícola de Sergipe. O plano urbanístico de Pirro foi bastante audacioso para a época, justamente por necessitar vencer a localização de pântanos e charcos.
BELO HORIZONTE – 1897
Durante o período colonial, a província das Minas Gerais protagonizou grande importância econômica e cultural. No conhecido “ciclo do ouro”, inúmeras cidades se formaram na região das minas a qual adquiriu identidade tipicamente urbana. Com a Proclamação da República em 1889, momento marcado por novas influências da modernidade e da preparação para a chegada ao século XX, os mineiros reivindicaram uma capital, mais condizente com aquela conjuntura. Na época, a sede administrativa de Minas Gerais ainda era Vila Rica (atual Ouro Preto), cidade colonial e barroca em franca decadência após seu apogeu no auge das explorações auríferas.
A nova cidade foi encomendada em 1893 e entregue em 1897.Aarão Reis, engenheiro urbanista paraense ficou responsável pelo projeto com inspiração fortemente francesa. O plano incorporava as ideais de Georges Eugéne Haussman, prefeito de Paris que, no final do século XIX, literalmente colocou parte da capital da França abaixo para remodelar e replanejar, ficando conhecido como “o artista demolidor”.
Sendo então a primeira cidade brasileira moderna planejada, foram feitas avenidas em diagonal e quarteirões de dimensões regulares. Belo Horizonte nasceu com grandes bulevares circulantes. Entre a paisagem urbana e a natural previu-se uma área de transição que articulava os dois setores. Então ficou assim: na chamada área urbana ficaram concentrados a administração, os serviços, o comércio e as moradias urbanas. Na faixa suburbana um misto entre moradias de padrão urbano e chácaras de pequeno ou médio portes. E por fim, na região rural, um cinturão verde para o abastecimento urbano de alimentos.
BH cresceu e se tornou uma das maiores metrópoles brasileiras, mesmo assim continua a resguardar um dos principais motivos pela escolha da localização de construção da cidade. Sua vista! “Que Belo Horizonte!”. Foi assim que, do alto da Praça do Papa, o Papa João Paulo II em 1980 definiu a vista da capital mineira.
GOIÂNIA – 1942
No século XX, Goiânia foi a primeira cidade brasileira planejada. À semelhança do ocorrido em Minas Gerais, os goianos também reivindicavam uma capital mais moderna e condizente com aquele período brasileiro e mundial. O da técnica, da racionalidade, enfim, do moderno. Mas a tentativa de mudanças em Goiás já aconteciam há bastante tempo. Até então, a capital estadual era a Cidade de Goiás (ou Goiás Velho), de arquitetura barroca e hoje considerada Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO.
Em 1933, o interventor Pedro Ludovico encomendou os trabalhos ao urbanista Atílio Corrêa Lima. Isso só foi possível graças a uma política do governo federal de Getúlio Vargas chamada “marcha para o oeste”, a qual previa a interiorização do desenvolvimento do país.
O plano piloto de Goiânia foi fortemente influenciado pelo modelo de cidade jardim proposto por Ebenezer Howard, onde foram planejados grandes parques e áreas verdes. Em relação às edificações, a influência foi do estilo Art Déco.
A capital goiana, no entanto, foi planejada para uma população máxima de 50 mil habitantes. Atualmente, conta com mais de 1,3 milhão de pessoas residentes. Porém, o planejamento, sem dúvida, é responsável para, nos dias atuais conferir a Goiânia, o maior percentual de áreas verdes por habitantes do Brasil. A cidade também detém um dos melhores IDH do país e o maior patrimônio do estilo Art Déco na América Latina.
BOA VISTA – 1944
A única capital brasileira completamente no hemisfério norte, Boa Vista não surgiu inicialmente de forma planejada quando de sua fundação no século XIX. Entretanto, na década de 1940, passou por uma grande remodelação inspirada nos ideais modernistas parisienses do conceito de “cidade jardim”.
O seu traçado de formato radial, como um leque, foi desenhado pelo engenheiro civil Darcy Aleixo Derenusson entre 1941 e 1944. As principais avenidas da cidade convergem para o Centro Cívico, onde estão a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça e o Palácio do Governo de Roraima.
Um novo planejamento de Boa Vista, à época, foi primordial para o saneamento urbano e colaborou com a contenção do surto de malária. Uma das principais semelhanças com a concepção de Paris é a relação entre a largura da rua com a altura dos edifícios, que não poderia ter mais da metade da largura da rua como altura, o que torna a cidade ventilada. Por conta disso, não há muitos edifícios altos em Boa Vista, pois não havia necessidade de se construir grandes prédios. Para práticas de esportes, há diversos campos e quadras de atletismo espalhadas pela cidade.
Entretanto, o planejamento de Boa Vista foi feito para durar 25 anos. A partir daí, teriam de ser feitos outros projetos, o que acabou não ocorrendo. Apesar disso, o projeto urbanístico feito na época foi cumprido integralmente, algo que não aconteceu com nenhuma outra das cidades planejadas.
MARINGÁ – 1947
Não apenas para finalidades administrativas ou capitais de Estados e províncias cidades foram planejadas no Brasil. A exemplo disto está Maringá, no interior do Estado do Paraná, cidade inaugurada em 1947. Tudo aconteceu no auge da cultura do café no norte paranaense. Foi aí que o arquiteto e urbanista Jorge de Macedo Vieira colocou em uma prancheta os traços da mais nova cidade modernista. As características eram de “cidade-jardim”.
A cidade foi fundada pela Companhia de Terras Norte do Paraná. Traçada obedecendo ao projeto urbanístico do paulista Vieira, onde foram demarcadas as amplas ruas, avenidas e praças, considerando ao máximo as características topográficas do terreno. O interessante é que ele nunca visitou o local. O projeto foi baseado em informações que a própria companhia repassou. Ele seguiu tendências modernas, destinando espaços distintos para as áreas residenciais, comerciais e industriais.
O projeto já previa uma avenida que cruzasse a cidade de uma ponta a outra. Proveio a Avenida Brasil, de 7.450 metros. A preocupação com o meio ambiente e a qualidade de vida da população local também estiveram presentes no planejamento do urbanista. Com isso, ele desenhou dois “pulmões verdes” dentro da cidade – o Parque do Ingá e o Parque dos Pioneiros.
O projeto inicial era de uma cidade para abrigar 200 mil moradores nos próximos quarenta anos. Hoje, Maringá possui quase o dobro do previsto. Entretanto, conserva o fato de ser uma das cidades mais sustentáveis, agradáveis, arborizadas e limpas do país.
BRASÍLIA – 1961
Quase duas décadas após Goiânia, foi também no Centro-Oeste brasileiro que se deu a nossa mais icônica experiência em cidade planejada: Brasília, a capital federal. Mas para chegarmos até 1961, quando a nova capital interiorana foi enfim inaugurada, será preciso voltar um pouco mais no tempo. Desde a época da Colônia já havia planos de construir uma capital do país longe do Oceano Atlântico. O Primeiro-Ministro português Marques de Pombal, em 1761, falava na construção de uma “Nova Lisboa” no Planalto Central.
Com o Brasil independente, em 1823, José Bonifácio nomeou a futura capital do país de “Brasília”. A primeira Constituição Republicana, a de 1891, demarcava uma área no Estado de Goiás para a construção da nova capital. Em 1893, uma expedição chamada “Missão Cruls” foi enviada ao local, onde hoje está o Distrito Federal. O objetivo era estudar a topografia, a fauna e a flora da região.
Da idealização à prática
Após séculos de idealizações e décadas de estudos, durante a campanha presidencial de 1955, o então candidato à Presidência Juscelino Kubistchek, é indagado por um eleitor se iria, realmente, cumprir a Constituição e interiorizar a capital do país. A partir daí, inclui em seu ambicioso e controverso “Plano de Metas”, a construção de uma cidade moderna e vanguardista. Confiada aos esplêndidos trabalhos do urbanista Lúcio Costa e do arquiteto Oscar Niemeyer.
Os motivos para uma capital no interior são dos mais diversos: defesa contra ataques marítimos, afastamento do “povo” e de protestos ou o de levar o desenvolvimento para o centro do país. Mas naquele momento, tudo ia muito além disso. Brasília demarcava a expressão política de um país o qual se dispunha a crescer cinquenta anos em cinco. Do moderno, do concreto armado, da estrutura metálica, do racional, de uma nova era.
Após concurso para escolha do projeto, o plano piloto do arquiteto e urbanista Lúcio Costa é aprovado. Com fortes influências de Le Corbusier e inspirado na carta de Atenas, tendo Oscar Niemeyer sido encarregado do projeto dos prédios públicos, deram inicio a maior epopeia brasileira de todos os tempos. Lucio Costa criou um plano piloto que faz referência a Cruz e que popularmente lembra um avião.
Para Antônio Risério em A Cidade no Brasil, foi do encontro dessas três personalidades que nasceu Brasília. “Juscelino e a vontade de construir a nova capital. Lúcio e a criação da cidade como entidade urbana. Niemeyer projetando os prédios definidos pelo urbanista”.
As superquadras
Brasília é uma cidade complexa, organizada sob um Eixo Monumental o qual iria conter a sede do governo e todos os edifícios governamentais. E mais duas “asas” (Asa Norte e Asa Sul) as quais abrigariam a população. Um dos grandes conceitos urbanísticos que a diferencia de outras cidades planejadas são as superquadras:
-ao contrário dos quarteirões que são simples agrupamentos de prédios e casas, as superquadras foram projetadas para ser um espaço de convívio entre as pessoas.
-os prédios residenciais das superquadras nunca tocam o chão, eles são sempre suspensos por colunas. Esse conceito de arquitetura foi desenvolvido para que as pessoas possam circular livremente em qualquer direção nas superquadras.
-dentro das superquadras além dos prédios residenciais há sempre espaços de lazer. Os parques e áreas verdes que podem ser usados por toda a população.
-é proibido construir grades e cercas dentro das superquadras. O chão das mesmas é espaço público e pertence a toda a cidade.
-as superquadras da cidade foram todas projetadas do mesmo tamanho para transpassar ideia de igualdade e organização para Brasília.
-a arquitetura dos prédios pode variar dentro da superquadra, mas o tamanho máximo é sempre de 6 andares. Deste modo se preserva a linha de visão dos moradores.
Fascínio e rejeição
A inauguração de Brasília provocou fascínio e rejeição, tanto no Brasil quanto no exterior. A cidade do Rio de Janeiro se ressentiu ao perder a importância de capital nacional. Na região central brasileira foi despertada a esperança de desenvolvimento além do Sul-Sudeste apenas.
Brasília é a arte dentro de uma arquitetura filha da Revolução Industrial, do tecnológico, do mecânico. Em Brasília aconteceu algo quase inédito. Raras vezes, no mundo, um arquiteto pode realizar concretamente, com tal liberdade, seus exercícios experimentais.
Há ainda o paisagismo do gênio Burle Marx. Seu discurso modernista, representado pelos seus jardins, praças e parques, associado as transformações de sua expressão artística, estão materializados nas propostas para capital federal há mais de cinquenta anos.
Superpopulação
A capital federal foi projetada para abrigar uma população máxima de 500 mil habitantes no ano 2000. Mas, atualmente, conta com cinco vezes a mais do que isso. Surgiram, então, enormes aglomerados urbanos em seu entorno, as chamadas “cidades satélites”. Muitas delas apresentam grande precarização urbanística e de serviços, em contraste, com todo o ideal proposto na cidade vanguardista.
Porém, Brasília continua sendo orgulho nacional. De uma arquitetura que ultrapassou os limites do imaginável e da expressão modernista. Em 1987, o Plano Piloto de Brasília foi incluído como Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO.
PALMAS – 1990
Na saideira no século XX, sob contexto da “nova democracia”, Palmas foi a última das cidades planejadas no país. O projeto para ser uma cidade-capital, foi devido a criação do novo Estado do Tocantins, desmembrado de Goiás em 1988.
O plano ficou a cargo dos arquitetos Luiz Fernando Cruvinel Teixeira e Walfredo Antunes de Oliveira Filho. Houve, também, forte inspiração em Le Corbusier e a cidade foi construída de modo muito semelhante a Brasília. Uma das semelhanças é o fato de, assim como na capital federal, privilegiar ao automóvel em detrimento das pessoas.
Segundo o arquiteto Walfredo Antunes, co-autor do Plano Urbanístico original de Palmas. A arquitetura da cidade foi pensada buscando a funcionalidade que oportunizasse liberdade entre as diferentes funções desenvolvidas em uma cidade administrativa. Com destaque para a sede do poder executivo do Estado. “A cidade foi pensada para desempenhar todas as funções, nas quais se incluem de uma maneira importante as funções administrativas do estado e do município. O traçado em quadrículas busca o melhor desempenho das funções da cidade”, afirma Antunes.
A cidade tem avenidas gigantes e espaçadas. Grandes rotatórias, vias marginais em diversas avenidas. Tem ainda quadras em desenhos excêntricos e com muitos espaços vazios entre elas e além das áreas verdes.
Ao contrário das demais cidades planejadas, Palmas sofre do efeito inverso: o vazio demográfico. Quem caminha por suas largas avenidas e grandes praças sente a ausência de gente. Afinal, a cidade foi concebida para em duas décadas contar com 1 milhão de habitantes e hoje possui apenas 30% desse total. Entretanto, é considerada a capital com o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região norte.